Questão de necessidade – necessidade de questões

Textos / Texts
12/2013 / Pivô, São Paulo, Brasil.

[Texto para o programa Ateliê Temporario PIVÔ 2013]

 

(…)

  1. Uma coisa puxa a outra.

(…)

  1. Quando todos estão brincando, nós estamos trabalhando, e quando todos estão trabalhando, nós estamos dormindo!

Regulamento Rex, Rex Time 3 (25 maio 1966)[1]

Em 1971, Daniel Buren publicava seu texto A função do Atelier, no qual analisava os modelos clássicos de ateliês do século XX e os posicionava dentro da estrutura da “instituição Arte” como o primeiro marco da obra. Num questionamento contínuo sobre a obra e seu lugar, analisava:

This sense that the main point of the work is lost somewhere between its place of production and place of consumption forced me to consider the problem and the significance of the work’s place.

(…) In the studio we generally find finished work, work in progress, abandoned work, sketches-a collection of visible evidence viewed simultaneously that allows an understanding of process;

(…)

The art of yesterday and today is not only marked by the studio as an essential, often unique, place of production; it proceeds from it.

Desde fevereiro de 2013, alguns espaços do PIVÔ foram sendo preenchidos de novos objetos, ferramentas, tintas, mesas, câmeras, papéis e livros. Com diferentes ritmos – curtos e apressados, circulares e quase indefinidos, dilatados, mas com uma finalidade concreta – vários artistas começaram a trabalhar numa espécie de ocupação pacífica. Essa característica amigável foi a que abriu passo para a primeira estadia. Paulo Pjota, com uma exposição de grandes dimensões em seu calendário e sem local para produzi-la, consultou, no final de 2012, se existiria a chance de ele trabalhar em alguma parte dos 3.500 m² do PIVÔ. Após desmontada a exposição inaugural, tendo em mente múltiplas possibilidades e a certeza de que a vivência do lugar apontaria perguntas necessárias para a continuidade do projeto, a resposta foi sim.

Os treze artistas que trabalharam dentro deste programa no último ano respondem a diferentes interesses e circunstâncias. AVAF, Michael Dean e Valentina Liernur passaram brevemente para poder produzir obras específicas para exposições. Colaram coisas, pintaram superfícies, fotografaram sobre os muros e encerraram um processo que já traziam em si mesmos e que, durante aqueles dias, foi possível ver dentro de um contexto diferente. Alguns passaram mais quietos e calados, como Nazareno, Feco Hamburger ou Clara Benfati. Theo Craveiro não tinha pressa, o tempo passava em silêncio e lentamente por sua mesa, em torno de frutas em decomposição e crâneos de animais. Ele significou a reflexão à deriva, o exercício cotidiano do olhar e o pensamento em experimentação contínua. Com um projeto definido para desenvolver no Pivô, Rodolpho Parigi foi uma mistura de mutismo concentrado com debate verbalizado em voz alta, expandiu-se no espaço e transformou-se com ele, fazendo surgir uma nova obra, Fancy Violence, na performance de abertura de sua exposição. Leticia Ramos inicialmente trabalhou numa exposição totalmente vinculada ao processo no espaço para a criação de ficções, que agora surgem na série de trabalhos VOSTOK, e continua trabalhando junto a Glauco Firpo, experimentando novas câmeras e métodos fotográficos e de filmagem. Lucia Koch aproveitou a transitoriedade da proposta: um espaço em branco, sem memória afetiva de outros trabalhos, concentrada em novas experimentações que permitem permear a cidade ao redor. Fabio Tremonte fixa uma rotina, um caminho pelo centro até sua mesa sem internet, transformando-se num observador de realidades fora e dentro do prédio. Lais Myrrha começa agora sua preparação para questionar o mito da arquitetura modernista durante este ano.

O Ateliê temporário se tornou um eixo fundamental dentro da programação do Pivô. Une a ideia de serviço ao artista – a necessidade – com seu interesse em aprofundar e pesquisar os processos criativos atuais – a questão. E, por isso mesmo, a experiência desse ano serve como base para a evolução dos ateliês. O artista mexicano Gabriel Orozco falava em 2005 sobre seu conceito de estúdio como uma unidade de espaço-tempo tanto interior quanto exterior: “me apropriei da palavra ‘estúdio’ de modo literal, não como um espaço de produção [ateliê], mas como um tempo real para o conhecimento [estudo][2]. O tempo para o conhecimento pode surgir em diversos locais: o interior ou o exterior”, e continua entendendo essas “plataformas para pensar” como uma arquitetura que “deveria ser um espaço que recebe, que cede, e não um espaço que impõe”.[3]

Pivô funciona, com esse programa, como um território flexível conectado à realidade por meio da experimentação dos artistas, de seu pensamento e sua produção. Está, portanto, num lugar de perguntas contínuas já que, como aponta Néstor García Caclini, “ao observar e escutar os artistas hoje, parece que para muitos a aspiração estética não consiste em conquistar uma integração bem sucedida, mas em manter vivo o interrogante sobre sua contingência. Não há relato que desfaça essa tensão. E ainda mais: a arte parece existir enquanto a tensão permanece irresoluta”.[4]

 

 

 

 

[1] FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (Org.). Escritos de artistas. Anos 60/70. Jorge Zahar Editor, 2006.

[2] N.T.: [“Tomé la palabra ‘estudio’ de manera literal, no como un espacio de producción sino como un tiempo real para el conocimiento.] Em espanhol, a palavra estudio significa, traduzida ao português, tanto estudo (estudar) quanto estúdio (ateliê). Desta forma, quando o autor fala de tempo para conhecimento, se refere ao verbo estudar num sentido mais amplo como contexto para a ideia do estúdio como espaço de trabalho.

[3] Gabriel Orozco, ed. Turner, 2005.

[4] GARCÍA CANCLINI, Néstor. La sociedad sin relato. Antropología y Estética de la Inminencia. Katz Editores, 2010. (A sociedade sem relato. Antropologia e Estética da Iminência. trad. Maria Paula Gurgel Ribeiro. EDUSP, 2012).

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